quinta-feira, 21 de junho de 2012





Haja kbça p/ tanta 9idade

Linguagem cifrada usada nas salas de bate-papo e nas mensagens de celular chega à tevê e vira polêmica

Cláudia Pinho
 
Se o leitor já passou dos 30 ou não tem adolescentes na família, pode achar que há algo errado com o título acima. Essa é apenas a forma enxuta e rápida de dizer: Haja cabeça para tanta novidade. E é assim que boa parte dos internautas se comunica. Os populares serviços de troca de mensagens instantâneas, como ICQ e MSN Messenger, e os torpedos enviados por celulares trouxeram à tona uma mudança na escrita. Os internautas têm pressa, por isso acharam uma maneira rápida, econômica e eficiente de se comunicar. “É mais prático e barato do que as ligações comuns. Além do mais, dá para trocar torpedos até em sala de aula, que não atrapalha”, diz a estudante Fabiana Teixeira, 17 anos, de Brasília, que envia cerca de 30 mensagens por dia.
É bom os pais e educadores, que se descabelam com essas abreviações da língua portuguesa, irem se acostumando, pois a linguagem cifrada acaba de chegar à televisão. A rede Telecine, do sistema de tevê a cabo Net e Sky, estreou o Cyber Movie, em que a legenda dos filmes é escrita no idioma cibernético. As produções são exibidas às terças-feiras à noite no canal pago Telecine Premium e devem priorizar os filmes de ação e de aventura, que têm nos adolescentes seu público mais fiel. “Reproduzimos o jeito de falar dessa geração. Acreditamos estar contribuindo para a cultura”, afirma João Mesquita, diretor-geral do canal. No que depender do público-alvo, a sessão cibernética será um sucesso. “Gosto muito de filmes, e colocando minha linguagem fica mais tranquilo”, diz o estudante Fernando Notlin, 17 anos, um dos quatro contratados pela empresa de tradução Drai Marc para adaptar os filmes ao idioma cifrado.
“Tivemos de encontrar um meio-termo, pois tem grupos muito radicais e não dá para entender nada do que eles falam”, diz Marcelo Leite, diretor da empresa de tradução. O canal lançou mão de um dicionário virtual com o significado das abreviações e recebe sugestões de novos vocábulos. Isso porque uma mesma palavra pode ter mais de uma maneira de se abreviar, como o “por favor”. Alguns usam pls (please, em inglês), outros pv e outros ainda pfvr. Os idealizadores do programa estão preparados para as críticas. A mais contundente seria sobre o desuso da língua portuguesa. “Enquanto essa grafia cifrada for usada só em ambiente de internautas, tudo bem, é mais uma modalidade gráfica de gíria. Extrapolar isso ao grande público é um assalto à integridade do idioma”, diz o filólogo Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras. “Meu pai acha um absurdo o jeito como escrevo. Diz que estamos matando o português, mas já ensinei minha mãe a trocar mensagens abreviando palavras. Para mim, que adoro ler, é uma questão de praticidade, não de desconhecimento”, diz Fabiana.
Os linguistas concordam. Para eles, a escrita cibernética é mais uma forma de comunicação. “Os jovens estão crescendo nessa linguagem funcional. Se eles usam um meio eletrônico é porque querem ser rápidos. Não vejo perigo”, diz a professora Eni Orlandi, do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas (Unicamp). “É um código a mais para os jovens conversarem. A língua é maleável e se constrói com as necessidades da história. Não é para mim. Olho a tela do computador das minhas filhas e não entendo nada”, diz Lúcia Teixeira, linguista da Universidade Federal Fluminense. Fenômeno parecido aconteceu nos primórdios do videocassete. Bastava olhar o mostrador. Se o relógio marcasse a hora certa, era sinal de que havia jovens na casa.
Polêmicas assim ocorreram em outros momentos da história. A mais marcante foi com a impressão da primeira Bíblia, em 1450. Houve quem dissesse que os milhares de exemplares do livro evitariam que muita gente fosse à igreja para ouvir a pregação religiosa. “Toda vez que instrumentalizam o homem, há mudanças. As novas formas vêm com as novas tecnologias”, afirma Eni. Gostando ou não de tanta rapidez, é bom se familiarizar com os novos tempos. Vc pode ser o próximo a receber uma msg dessas.

Revista ISTOÉ
|  N° Edição:  1848 |  16.Mar.05 - 10:00 |  Atualizado em 28.Mai.12 - 15:34